Alexandre Callou
A Constituição de 1988 vivificou o Superior Tribunal de Justiça, atribuindo-lhe a competência para processar e julgar o denominado Recurso Especial em casos de matérias relativas à legislação federal infraconstitucional. Isso provocou uma restruturação na cúpula do poder judiciário brasileiro por intermédio da bipartição do antigo recurso extraordinário.
Com o tempo, o recurso especial se tornou a principal rota de acesso ao STJ, redirecionando as discussões travadas nas instâncias ordinárias (juízo de piso e tribunal de apelação) para o Tribunal Superior. Entretanto, o REsp., como ficou conhecido, carrega uma característica intrínseca aos recursos “extraordinários”: o objeto da impugnação deve ser, preponderantemente, uma questão jurídica, com vistas à uniformização da interpretação do Direito.
Disso se compreende que o instrumento não serve para a correção de “injustiças” proferidas pelo Tribunal Estadual, mas sim para garantir a segurança da aplicação objetiva do ordenamento jurídico. Nesse sentido, por força da súmula de n.º 7, a jurisprudência do STJ definiu que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”; ou seja, em sede de REsp., é vedada a mera reanálise do painel probatório.
Porém, dentro de uma perspectiva panorâmica, não demorou muito tempo para os próprios ministros do denominado “Tribunal da Cidadania” transformarem o comando do Enunciado de n.º 7, em um trunfo utilizado com primazia em critérios subjetivos e inconsistentes. Aquilo que em princípio foicriado para servir como uma “panaceia”, passou a — diante do uso discricionário — macular determinadas garantias fundamentais dos litigantes, ainda que paradoxalmente.
Sem grandes esforços, juristas identificaram que o STJ faz uso da súmula de n.º 7 desprovido de qualquer critério objetivo; ora afastando sua (devida) incidência para reexaminar determinada questão, ora aplicando-lhe (indevidamente), de forma a impedir a rediscussão da matéria. Diante disso, conclui-se que essa aplicação inconsistente é passível de manchar a própria natureza das garantias constitucionais das partes em litígio.
A começar pela própria segurança jurídica relativa ao direito fundamental à prova. A CRFB/88 instituiu, na qualidade de uma garantia fundamental dos cidadãos, o direito à prova em juízo. Dessa forma, a correta resolução de um processo judicial passa pela absoluta necessidade de consonância com o material probatório contido nos autos. Isto é, a probabilidade de êxito de uma decisão jurisdicional é, entre outros fatores, proporcional à sua correspondência ao exercício do direito probatório pelas partes.
Assim, a partir do momento em que, por meio da aplicação inconsistente da súmula n.º 7, o STJ afasta e atrai — carente de objetividade — ações semelhantes com conclusões distintas, abre-se alas para a afirmação de que, ainda que inicialmente isto seja contraintuitivo, aquele enunciado é capaz de macular a própria segurança jurídica devida ao direito à prova.