Publicações/Artigos

Os terrenos de marinha e a PEC nº 3, de 2022: o fim de uma jabuticaba

arrow_back

Voltar

arrow_back

Voltar

Imagem do Membro

Antônio Beltrão

O "terreno de marinha" se origina de ordem de 1710, do então rei de Portugal dom João V, vindo, posteriormente, a ter os seus parâmetros estabelecidos por dom João VI, os quais permanecem válidos até hoje, sendo medidos a partir da linha do preamar médio, ou seja, da média da maré alta do ano de 1831 até 33 metros para o continente, conforme Decreto-Lei de 1946. Sem paralelo no mundo, é uma verdadeira jabuticaba. 

Não devemos confundir as praias com os terrenos de marinha. As primeiras são bens inalienáveis, ou seja, não podem ser objeto de negociação pela União visando ao uso privado. Já os terrenos de marinha consistem nas áreas adjacentes às praias e são tecnicamente bens dominicais, cuja posse pode ser privatizada por ocupação ou aforamento, com intermédio da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), permanecendo o domínio, contudo, com a União. 

É quase uma unanimidade de que os terrenos de marinha há muito perderam o seu propósito, razão pela qual debate-se há décadas a sua extinção. Em 2011 foi apresentada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 39 visando a sua extinção. Após tramitar por aproximadamente 11 anos, a aludida proposta foi enviada para o Senado Federal em 23/02/2022. Atualmente, tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional nº 3, de 2022. 

A proposta em nada modifica o regime jurídico das praias, que continuam inalienáveis e pertencentes à União. De fato, a PEC 3/2022 não altera o inciso IV do artigo 20 da Constituição, que trata sobre "praias marítimas", mas apenas o seu inciso VII, que se refere exclusivamente aos "terrenos de marinha e acrescidos". Assim, caro leitor, fique alerta em relação às fake news de que a PEC 3/2022 irá privatizar a praia. Não é verdade... 

 Este projeto mantém sob o domínio da União "as áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos e a unidades ambientais federais, e as áreas não ocupadas," transferindo gratuitamente ao domínio pleno dos respectivos Estados e Municípios "as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal." 

 Os terrenos de marinha que estejam atualmente na posse dos seus respectivos foreiros e ocupantes regulares, conforme inscrição na SPU, passam ao domínio pleno de seus possuidores mediante transferência onerosa, deduzidos "os valores pagos a título de foros ou de taxas de ocupação nos últimos 5 (cinco) anos". 

Assim, a intenção do legislador é de prestigiar as pessoas que atualmente detenham regularmente a posse de terreno de marinha e que estejam em dia com as suas obrigações. É também positiva a previsão da transferência gratuita no caso de áreas "ocupadas por habitação de interesse social". 

Por outro lado, um ponto polêmico é a possibilidade dos ocupantes não inscritos na SPU também serem beneficiados com o domínio dos terrenos de marinha, necessitando para tanto comprovar que a sua ocupação ocorre, pelo menos, há 5 anos e que é de boa-fé. 

Finalmente, a PEC 3/2022 em nada modifica ou atenua a proteção ambiental das praias e de suas áreas adjacentes, cuja fiscalização compete à União, Estados e Municípios, permanecendo vedada a supressão de sua vegetação nativa, a restinga.