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Desafios na reestruturação das micro e pequenas empresas no Brasil

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Paula Lôbo Naslavsky

No Brasil existem atualmente cerca de 20 milhões de empresas ativas. Desse total, 99% são microempresas e empresas de pequeno porte. Elas geram 62% dos empregos com carteira assinada no setor privado e são responsáveis por 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. 

A maior parte dessas empresas está nos setores de comércio e serviços. Portanto, é inegável a relevância das microempresas e empresas de pequeno porte para o desenvolvimento do país, produção de riquezas, geração de empregos e diminuição da desigualdade social. O fato é que as grandes empresas normalmente têm mais acesso a crédito e possuem planejamento financeiro mais consolidado, enquanto as pequenas e médias trabalham com certa informalidade e pouco planejamento.

Disso resulta que, num cenário de crise, as pequenas e médias empresas acabam sendo muito mais impactadas, pois normalmente não contam com suporte financeiro, tampouco uma estratégia de reestruturação. É o que se pode observar no Brasil, especialmente pós pandemia de Covid-19, quando inúmeras empresas fecharam suas portas, normalmente de forma irregular, e outras se veem em situação de crise econômico-financeira, sem alternativas viáveis para a superação desse momento.

Infelizmente, ainda não vemos esse tema ser tratado com a prioridade que merece, permitindo que as microempresas e empresas de pequeno porte tenham um tratamento diferenciado e ambiente mais favorável ao crescimento e impulso da competitividade. A Lei Complementar 123/2003 e alterações previstas na Lei Complementar 139/2011 regulamentaram as Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs) prevêem tratamento diferenciado e simplificado para essas sociedades, que se distinguem das demais pelo faturamento bruto anual, que deverá ser igual ou inferior a R$ 360 mil no caso das microempresas e igual ou inferior a R$ 4,8 milhões para as empresas de pequeno porte. Apesar disso, faltaram medidas que tornassem mais concretas as condições diferenciadas.

Algumas políticas públicas têm sido levadas a efeito, como a concessão de crédito, por exemplo. O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) já viabilizou aproximadamente R$ 28 bilhões em operações para pequenos negócios. Já o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), gerido pelo Sebrae, viabilizou cerca de R$ 2,9 bilhões) e o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (FGI PEAC), quase R$ 7 bilhões. 

Essas medidas, contudo, isoladamente, não bastam para o fomento do empreendedorismo de forma sustentável. É essencial que se evolua na disponibilidade e concessão de crédito aos pequenos negócios, diminuindo o custo, burocracia e exigência de garantias desproporcionais. Outro ponto bastante relevante, que poderia ter sido uma ótima oportunidade para apoiar as MEs e EPPs, foi o início da vigência da Lei 14.112/20, quando implementadas as alterações à Lei de Recuperação Judicial e Falências. A Lei 11.101/05, que regula a Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, já previa condições especiais para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, em seus artigos 70 a 72.

Os dispositivos pretendiam refletir a preocupação do legislador em fornecer um tratamento diferenciado para as MEs e EPPs no âmbito da recuperação judicial, levando em conta as características e limitações dessas empresas. No entanto, as condições estavam longe de ser atrativas para o contexto de crise e, as MEs e EPPs que se utilizaram da Recuperação Judicial nesse período, em sua imensa maioria, preferiram adotar as condições ordinárias, mais vantajosas.

Ocorre que a Lei 14.112/20 praticamente não trouxe alterações às disposições do Plano de Recuperação para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. De acordo com Camila Crespi e Fabio Broccoli Cabelho, comentando os artigos 70 a 72 com a vigência da Lei 14.112/20: “O empreendedor brasileiro encontra cada vez mais dificuldades para exercer sua atividade laborativa e, ao se aventurar e falhar, o sistema é o primeiro a tolher suas expectativas. Infelizmente, na realidade brasileira, quanto menor a empresa, mais exposta à crise”.

O procedimento especial para as micro e pequenas empresas prevê um plano especial que poderá englobar todos os créditos, exceto os créditos fiscais e os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos parágrafos 3º e 4º do art. 49 da Lei 11.101/05. Foi incluída também a previsão de apresentação do plano especial de recuperação judicial para o produtor rural que, de acordo com o art. 48 da Lei 11.101/05, precisará comprovar que exerce regularmente suas atividades há mais de dois anos.

Além disso, o plano especial não será submetido à Assembleia Geral de Credores, o que traz uma grande economia de tempo e energia. Contudo, caso o plano seja rejeitado por mais de 50% dos credores, a consequência é a decretação da falência, razão pela qual existe forte crítica à utilização prática dessas novas disposições. Para fortalecer o apoio às micro e pequenas empresas no Brasil, é fundamental que o governo, as instituições financeiras e a sociedade em geral trabalhem juntos para implementar políticas e programas efetivos que abordem essas questões.

Isso inclui medidas como a criação de linhas de crédito com condições favoráveis, a oferta de programas de capacitação e treinamento, o investimento em infraestrutura, a promoção de parcerias entre MEs, EPPs e grandes empresas para fomentar o crescimento e a competitividade do setor. O governo também pode estabelecer cotas para compras públicas reservadas exclusivamente para MEs e EPPs, com simplificação dos processos licitatórios.

É essencial que haja um compromisso contínuo do governo, bem como parcerias entre os setores público e privado, para impulsionar o crescimento e o desenvolvimento dessas empresas essenciais para a economia do país.