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Planos de saúde registram prejuízo recorde em 2022

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Marília Couceiro

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Paula Lôbo Naslavsky

A saúde suplementar no Brasil surgiu como um meio para complementar a prestação de saúde à população, uma vez que o Estado, apesar de ter o dever de garantir a saúde pública universal, não possui meios para atender a todos. Assim, por meio de contratos firmados com as operadoras de saúde, a população obtém atendimento em clínicas e hospitais privados conveniados.

Segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), em 2022, 50,5 milhões de pessoas utilizavam planos de saúde no Brasil, o que corresponde a mais de um quarto da população, sendo inegável a importância das operadoras em desafogar o Sistema Único de Saúde (SUS), reduzindo o número de usuários da rede pública.

Entretanto, em 24 de abril de 2023, a ANS divulgou os dados econômico-financeiros do quarto trimestre de 2022 e o resultado foi preocupante: foi registrado o maior prejuízo financeiro desde o início de regulação do setor pela entidade, em 2001.

A receita de operações de saúde totalizou R$ 237,6 bilhões, entretanto, o lucro líquido atingiu apenas R$ 2,5 milhões, equivalente a 0.001% da receita. Conforme dados da ANS, 43% das operadoras finalizaram o ano com déficit econômico.

Paulo Roberto Rebello, presidente da ANS, aponta como causa para o resultado histórico a atuação das grandes operadoras, que fixam baixa mensalidade com o intuito de atingir uma grande base de usuários, mas geram receita incapaz de cobrir a sinistralidade.
Outro fator que causou grande impacto no setor foi o aumento do valor dos insumos médico-hospitalares.

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), a Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCMH) foi de 19,3% em 2022, valor superior ao teto do reajuste de planos individuais e familiares fixados pela ANS no mesmo ano, que foi de 15,5%. Assim, verifica-se que o aumento das mensalidades está sendo incapaz de acompanhar a elevação dos custos das internações, consultas, terapias e exames utilizados pelos beneficiários.

Além disso, é essencial considerar que, especialmente no último ano, a saúde suplementar passou por intensas alterações legislativas e jurisprudenciais acerca da abrangência do dever de cobertura dos planos de saúde. Uma das primeiras modificações significativas foi a Resolução Normativa nº 470/2021, que reduziu o período de atualização do Rol da ANS — tido como parâmetro de cobertura obrigatória das operadoras — de 2 anos para 6 meses, aumentando consideravelmente a periodicidade com que novos tratamentos e medicamentos precisam ser obrigatoriamente custeados pelos planos de saúde.

Em agosto de 2022, a ANS publicou a RN nº 541/2022, que impossibilitou a limitação do número de consultas e sessões de terapias ambulatoriais com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. Tal resolução aumenta consideravelmente os gastos da operadora, pois regula tratamentos que, em regra, são de uso contínuo, ocasionando impacto financeiro por período indeterminado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2022, proferiu decisão que revolucionou o setor, entendendo que o rol da ANS teria a taxatividade mitigada. Isso significa que, a princípio, os planos de saúde só precisariam cobrir os tratamentos listados no rol da ANS, entretanto, poderia ser devida a cobertura de procedimentos não previstos, caso não houvesse substituto terapêutico ou se já esgotadas as possibilidades de tratamento com os procedimentos listados no rol. Ademais, seria necessária a comprovação da eficácia do tratamento, a recomendação de órgãos técnicos de renome e que o procedimento não tivesse sido expressamente indeferido pela ANS.

A decisão do STJ, no entanto, causou grande revolta dos beneficiários, uma vez que fixava a taxatividade do rol como regra, excluindo tratamentos não previstos, salvo se preenchidos os requisitos. Diante das intensas manifestações da população, tramitou rapidamente perante o Congresso Nacional um projeto de lei visando tornar o rol exemplificativo.

Assim, em setembro de 2022 foi sancionada a Lei nº 14.454/2022, que determina a cobertura de tratamentos não previstos no rol desde que exista comprovação da sua eficácia e haja recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou de outro órgão de avaliação de tecnologia em saúde de renome internacional.

À primeira vista, a inovação legislativa parece benéfica aos consumidores, que obterão maior cobertura do plano de saúde, com acesso a procedimentos e medicamentos mais modernos. Entretanto, na prática, a nova lei torna impossível às operadoras preverem minimamente o gasto que terão com as coberturas, uma vez que inexistem parâmetros de cobertura claros, prejudicando seriamente o equilíbrio contratual.

Assim, é necessário ponderar que a mudança será acompanhada pelo aumento dos custos operacionais do plano de saúde e, consequentemente, o aumento dos preços das mensalidades, fator extremamente preocupante, uma vez que pode causar uma expulsão em massa dos beneficiários incapazes de acompanhar esse encarecimento.

Sem dúvidas, é necessário que haja uma revolução do setor, com a conscientização dos beneficiários sobre a necessidade de utilização consciente e responsável do plano, bem como com a adoção de medidas estratégicas pelas operadoras para redução dos danos financeiros.