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Dívida na justiça e apreensão de CNH e passaporte do devedor: como funciona?

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Alexandre Callou

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Francisco Muniz

Em julgamento proferido no primeiro trimestre de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional a utilização das chamadas “medidas executivas atípicas” do Código de Processo Civil (CPC), pelo Poder Judiciário, para compelir o devedor a quitar dívida envolvida em processo judicial. A decisão, amplamente divulgada na mídia nacional, ganhou as manchetes dos principais jornais, que destacaram, especialmente, a possibilidade de apreensão de documentos pessoais (como CNH e passaporte) do devedor, para garantir o pagamento de dívida discutida judicialmente.

Entretanto, a tese traz consigo algumas ressalvas, sendo importante explicar os limites, extensão e efeitos desta decisão.

Primeiramente, deve-se compreender que o Processo de Execução, no nosso ordenamento jurídico, é regido pelo “Princípio da Menor Onerosidade” possível, a partir do qual o credor deve buscar satisfazer seu direito através dos meios menos custosos ao devedor. Logo, tal princípio impõe uma restrição de conduta (limitação) aos atos executórios, pois, embora estejam voltados para o adimplemento da dívida, devem observar, para tanto, os caminhos com a menor dose de lesividade à pessoa do devedor. Nesse sentido, a redação do artigo 805 do CPC impõe que “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”

Com isso, afirma-se que as medidas executivas atípicas (não previstas em lei) – como apreensão de CNH e passaporte – não podem ser utilizadas no início do procedimento judicial. Tais providências possuem natureza coercitiva, sendo voltadas muito mais para constranger o devedor a buscar soluções para a dívida, do que propiciar o adimplemento diretamente.

Em outras palavras, o emprego destes meios será feito de forma subsidiária/secundária; isto é, antes de provê-las, o credor deve provocar o Judiciário a buscar a satisfação do crédito a partir dos meios típicos (previstos em lei), como a penhora de bens e dinheiro, por exemplo. Além disso, no pedido de utilização das medidas extraordinárias, o credor deve demonstrar que as outras diligências (ordinárias/típicas) se esgotaram e foram infrutíferas.

Isso demonstra a importância de o credor estar acompanhado de uma assessoria jurídica especializada, capaz de conhecer o caminho processual correto, para, caso veja frustrada a execução em um primeiro momento, encontre respaldo no pleito das medidas de apreensão de documentos, dentre outras que denotem potencial eficácia.

Por outro lado, o STF destacou que, no emprego dos recursos atípicos, o Juiz deve estar atento às peculiaridades de cada caso concreto, sendo indevido e ilegal quando seu uso provocar a violação de determinados direitos fundamentais do devedor. Nesse sentido, a Suprema Corte fez um paralelo entre o caso do “Faraó dos Bitcoins” – que, após dar um calote nos clientes com a utilização de criptomoedas, pretendia fugir do país –, e o caso de um taxista devedor.

Na primeira situação, a apreensão do passaporte, para os Ministros, mostrou-se plenamente justificada; ao passo que, no segundo caso, a retenção da CNH do motorista seria o mesmo que declarar sua falência, pois o impossibilitaria de trabalhar; e sem trabalho, este não iria produzir renda, não sendo razoável a utilização da medida executiva atípica mencionada.

Conclui-se que tais caminhos devem ser traçados de modo alternativo, secundário e subsidiário, sempre com lastro na razoabilidade e proporcionalidade. Por isso, tanto para o credor, quanto para o devedor, a presença de advogado com capacidade técnica especializada é imprescindível, seja para a identificação de meios excepcionais corretos que potencializem a satisfação do direito, seja para verificar a correta aplicação das medidas judiciais, que jamais poderão violar direitos fundamentais do devedor.